Autora IZABELLE VALLADARES
Crônica de uma tarde quente, enquanto espero terminar a cirurgia da filha..
sentindo-se agradecida em HCA - Hospital de Clínicas Alameda.
Desci a serra em direção ao RJ, no
alto, estávamos com 26 graus, quando passamos o pedágio e chegamos próximos a
Xerém, o termômetro foi a 41 graus. Olha que loucura? Um calor insuportável.
Muito quente mesmo, eu estava no Uber, fechamos os vidros e ligamos o ar. Que
maravilha! Logo começa o engarrafamento na Av. Brasil, ambulantes brotam do
chão, das cercas, do nada, um senhor vendendo pipoca rosa, se arrisca
zigue-zagueando no meio dos carros, vários rapazes jovens que deve...riam estar
estudando, ali naquela árdua luta, pega pipoca, espalha biscoito, olha a água,
olha a água, olha a água, abaixo um pouco o vidro pra comprar uma água, um
menino de cerca de 12 anos, franzino, suado, se aproxima, pedi duas água.
Pergunto pq ñ está na escola. Olha para os lados, provavelmente com medo de eu
ser de algum conselho tutelar ou coisa parecida, responde que é feriado( não é)
Os olhos mostravam o medo e a vontade de sair rápido dali. Fiquei com dó
daquele olhar. Tinha dado 10 reais, recusei o troco, o carro avançou mais meio
metro no engarrafamento, o vi pelo retrovisor abordando o carro que vinha atrás
que ñ abriu o vidro, estava com alguns exemplares de livros que tinha levado
para a neta do Uber em minha bolsa, ele costuma fazer minhas corridas, o vi
abordando a janela em outro carro a cerca de 10 metros onde eu estava. Pedi ao
Davi pra segurar na velocidade, peguei os livros e corri até ele. Dei os livros
e olhei nos olhos dele, que estavam arregalados, desta vez com pavor. Pedi a
ele para ler e não parar de estudar que era a única saída. Voltei correndo pro
carro, com medo até de assalto naquele trecho. Sentei sentindo-me vitoriosa. De
repente, ele bate no vidro, abri, o olhar de medo, virou olhar de riso:
_Obrigada tia eu
nunca vou " me "se" esquecer disso.
_Pra você.
Estendeu os dedos
sujos, me entregando o singelo saco de pipoca rosa que algum parceiro vendia, o
presente encheu minha tarde de esperança, encheu meus olhos com um sorriso
igual ao dele, encheu meu coração de certeza, que podemos fazer muito mais que
só criticar o sistema. O ser humano deveria levantar uma única bandeira. Se
nós, realmente, resolvêssemos não soltarmos as mãos, pelo que realmente
importa, ñ estaríamos de camarote vendo o circo pegar fogo.
(Transcrição autorizada pela autora)