"Das habilidades que o mundo sabe,
essa ainda é a que faz melhor: Dar voltas".
José Saramago
MAIS UMA VEZ...
Por
Alessandra Leles Rocha
E assim, num piscar de olhos, mais uma vez o curso da vida vira de cabeça para baixo. Ainda que
passemos os dias acreditando piamente que somos donos e senhores do nosso
destino, vem o inesperado e nos puxa o tapete.
Era um dia como
tantos outros. Cada um cumprindo a sua rotina. Acreditando que haveria um
amanhã. E de repente... A vida ficou pelo caminho. Um caminho de rejeitos,
escrito com a fúria do destino anunciado. Lá se foram seres humanos. Sonhos.
Projetos de vida. Ideais... Lá se foi a natureza. Rios. Peixes. Matas.
Mais uma vez. Uma expressão que não aplaca nem diminui a explosão dos sentimentos
extravasados pelos que ficaram. Um “novo” com cara de requentado, de notícia já
contada, de tragédia esperada. E cada
vez que se repete fica a certeza de que a vida tem menor valor.
Talvez, tenha
mesmo para aqueles que enxergam na ótica da peça operária que se pode
substituir. Mas, no senso da empatia a vida é sempre muito valiosa. Por isso,
esse “mais uma vez” arranca da alma
o lamento, a indignação, a solidão... Porque “mais uma vez” a vida parou. A vida do (a) irmão (ã), do (a) pai
(mãe), do (a) amigo (a), de quem se conhece ou não, de quem ainda vive ou não.
Parou no movimento
ininterrupto daquele “barro”, daquela “lama”. Parou no silêncio
atordoante. Parou na angústia gelada.
Parou na dor contorcida. Parou no amor
que existia e agora... O corpo de quem fica, de certo modo, parou de ser o que
já foi. Como protesto inconsciente, seu
movimento é lento, descompassado, contrariando o que acontece à luz de seus
olhos.
Mais uma vez, a vida perdeu para o dinheiro; embora, nenhum dinheiro do mundo compre
a vida ou a traga de volta. Mais uma
vez, dessa disputa desleal entre o SER e o TER, perdemos a noção do quanto
nossas vidas pertencem mais aos outros do que a nós mesmos. Mais uma vez, enganou-se quem pensa que
é o dono do próprio destino; depois da página dois, só Deus para saber o que de
fato nos espera.
Mais uma vez é a história. Que muda os cenários, as personagens, os figurinos; mas,
o enredo é sempre o mesmo. O problema é que mesmo a conhecendo em detalhes
ficamos na expectativa de que algum dia o final possa ser diferente. Mas como
isso seria possível?
Então, “mais uma vez”, está criada a
oportunidade de uma reescrita e assim, transformar o fim da história e deixar
apenas no tempo, as marcas das vezes em que só nos mantivemos impactados pelas
sombras do horror, silenciados pelo peso da omissão. Afinal, nunca se sabe
quando esse “mais uma vez” pode
fazer de você “a vítima da vez”.